Em novembro de 2022, perdemos uma das mentes mais criativas e visionárias do Design e da Arquitetura. As criações de Fernando Campana questionavam o status quo e retratavam o Brasil de maneira excepcional.

Ao lado do irmão Humberto, o designer e arquiteto alcançou reconhecimento internacional por suas peças autênticas e disruptivas. Além de apresentar ao mundo o melhor da estética brasileira, Fernando e Humberto abriram caminhos para explorar os limites entre design e arte: incorporaram criatividade ao processo de transformação e reinvenção de materiais cotidianos. Não é por acaso que as suas criações eram elevadas à nobreza.

O comprometimento e ambição da dupla com suas criações os levou a começar o próprio negócio. Em 1984, Fernando e Humberto fundaram o Estúdio Campana, em São Paulo, com o propósito de investigar constantemente novas possibilidades dentro do design: da fabricação de móveis à arquitetura, paisagismo, moda, cenografia e muito mais.

As personalidades divergentes de Humberto (esq.), mais introspectivo, poético e intuitivo, e Fernando (dir.), mais extrovertido, comunicativo e racional, se mostraram complementares e tornaram a parceria um grande sucesso.

A inovação surgiu a partir da necessidade de viabilizar seus móveis: por não terem acesso a máquinas e processos industriais, a dupla utilizava objetos já industrializados, deslocando sua função original e esculpindo peças artesanais. Gostavam de brincar com materiais prosaicos, como ralos, mangueiras, papelão, arame e cerdas de vassoura. Pelas mãos e mentes criativas dos irmãos, esses itens ganharam novas leituras e sua função foi ressignificada: mangueiras de jardim eram transformadas em assentos e ralos davam forma a tampos de mesa.

“Para nós é um gesto espontâneo reinterpretar os objetos de design por meio da nossa experiência cotidiana”, disse Fernando no livro “Campanas”, de 2003.

A primeira exposição da dupla aconteceu na galeria de Adam, a Nucleon 8, em 1989, com uma série de cadeiras de ferro bruto, sem revestimento ou pintura, denominadas de “Desconfortáveis“. Foi justamente a genuinidade e originalidade da dupla que chamou a atenção da jornalista e crítica de design Maria Helena Estrada e a galerista Adriana Adam, que acreditaram no potencial dos irmãos.

Segundo a dupla, as Desconfortáveis eram um “discurso irônico, rebelde, um grito de liberdade num momento em que o país saía da ditadura”.

Inclusive, algumas das criações da dupla chegaram a ser fabricadas por indústrias italianas, como é o caso da célebre cadeira “Vermelha“, na qual uma trama de cordas de algodão origina o estofamento.

A cadeira “Vermelha” (1993-1998), obra dos irmão Campana

A experimentação dos irmãos Campana tornou a dupla um verdadeiro fenômeno. A originalidade e liberdade de trabalhar e projetar com materiais inesperados, sem se prender a tendências ou definições, foram constantes no trabalho dos irmãos, que investiram na produção de edições limitadas e peças únicas.

Hoje, é possível encontrar o trabalho da dupla exposto em acervos permanentes de renomadas instituições culturais, como Centre Pompidou e Musée Des Arts Décoratifs, de Paris, MoMa, de Nova York, Museu de Arte Moderna, de São Paulo, e Vitra Design Museum, de Weil am Rhein.